sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A disseminação da fraude

A quantidade de irregularidades constatadas pela Controladoria-Geral da União (CGU) na mais recente edição de seu programa de fiscalização do uso que os municípios fazem do dinheiro repassado pela União comprova, ao mesmo tempo, a extensão da prática de fraudes em licitações por todo o País, a ineficácia das ações dos órgãos de controle e fiscalização na redução da corrupção e a impunidade dos praticantes de atos ilegais. Sete anos depois de a CGU ter iniciado o programa, continua assustadoramente alto o índice de problemas encontrados nas licitações realizadas pelas prefeituras. Dos 60 municípios fiscalizados entre outubro e dezembro de 2009, e cujos relatórios foram divulgados em julho, a CGU detectou irregularidades em licitações em 57, ou 95% do total.

Criado em 2003, o programa de fiscalização dos municípios, escolhidos por sorteio, visa a coibir a corrupção na administração pública. A cada sorteio são definidos 60 municípios com menos de 500 mil habitantes a serem fiscalizados pela CGU. Os auditores examinam as contas e os documentos financeiros das prefeituras, inspecionam as obras e serviços em realização com recursos transferidos pelo governo federal e ouvem a população, consultando diretamente os munícipes e mantendo reuniões com associações e conselhos comunitários.

Concluída a fiscalização, os auditores elaboram relatórios, que são encaminhados aos Ministérios responsáveis pelo repasse das verbas federais, ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Câmara dos Deputados e ao Senado e, conforme a natureza da irregularidade, ao Ministério Público Federal, à Advocacia-Geral da União, às prefeituras e às respectivas Câmaras Municipais para as providências necessárias.

Entre as irregularidades constatadas na última operação de fiscalização - cujos resultados estão no endereço eletrônico da CGU - estão a utilização de licitações caducas na contratação da mesma empresa para a execução de obras novas, a celebração de novo contrato com a mesma empresa por meio de termo aditivo ao contrato anterior, a não realização de licitação para contratos que exigiam concorrência pública nacional e a prática de sobrepreço.

A prefeitura de Pimenta Bueno, em Rondônia, utilizou recursos repassados pelo Ministério da Educação para, três semanas antes do encerramento do ano letivo, comprar 6 mil quilos de frango, quantidade suficiente para alimentar todos os alunos da rede pública durante um ano, e a prefeitura não dispõe de equipamentos para conservar essa quantidade de alimentos. Em Gentio do Ouro, na Bahia, a prefeitura utilizou verba federal para adquirir uma ambulância, que não foi emplacada pelo Detran nem examinada pelos auditores da CGU. Em Mossoró, no Rio Grande do Norte, foram pagos com recursos oriundos do governo federal serviços que não foram prestados e foram pagas pela prefeitura obras que não foram executadas.

O ministro-chefe da CGU, Jorge Hage, atribuiu "boa parte das irregularidades" não a desvio ou intenção de fraudar, mas ao "despreparo, ao desconhecimento da legislação". Segundo ele, a maioria dos municípios carece de sistemas de controle interno e de pessoal qualificado, com algum conhecimento da legislação. Por isso, no seu entender, a fiscalização da CGU tem também uma função educativa.

Por mais minucioso que seja o trabalho dos auditores da CGU, no entanto, ele não está tendo a função pedagógica lembrada pelo ministro. "O controle feito pelas instâncias federais só consegue detectar a fraude muito depois do ocorrido, ou seja, não tem caráter preventivo", observou o advogado Nelson Lacerda ao jornal Brasil Econômico.

Importante na apuração do uso irregular do dinheiro que a União transfere para os municípios, o programa da CGU não está sendo suficiente para punir os atos ilegais e a corrupção em geral. A persistência das irregularidades na esfera municipal, praticamente sem redução sensível, é uma prova disso.

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